Tudo começou com um sapatinho vermelho e ela ainda na barriga. Ela era tão menor que eu que ainda dormina no berço. E eu escalava o berço só para ver ela dormindo e fazia uma caminha do lado para não ficar longe dela nem por um minuto.
Ela era bochechuda e vivia sorrindo para mim. Não parava de dizer: Bibi Gil Gil Bibi. Era uma coisa difícil de explicar aquele laço.
De repente ela foi morar do outro lado do túnel Rebouças, e eu fiquei aqui desse lado. Doeu, sabe?! Mas quando a gente é criança é assim, dói e a gente chora e os adultos dizem que vai ficar tudo bem e a gente acredita piamente.
Mas não ficou tudo bem. A gente se via pouco, brincava pouco, e crescia muito. Muito afastadas.
E um dia eu achei que não conhecia mais ela. Foi estranho. Foi um vazio.
Mas ela voltou. Eu voltei. E de repente ela estava morando no quarto ao lado na casa de janelas azuis. Víviamos batendo na porta uma da outra. Conversas infindáveis, filosofias de vida, assuntos mundanos, roupas, sapatos, maquiagem, rapazes, me empresta isso?, ai ju, como você é chata! ai bi, como você é chata! me ajuda? vamos pedir japonês e ver um filme? fica aqui comigo? me abraça! te amo, prima!
E lá estava aquele laço de novo. Aquele laço inexplicável que não sabemos exatamente como começou. É só uma olhar no olho da outra e pronto, conecção!
Agora ela vai ganhar um pedaço do mundo que não faz parte do meu mundo. Eu pedaço que eu quase desconheço. Um pedaço só dela. E eu fico com os olhos cheios d'água de tanto orgulho. Aquela pequena não é mais tão menor que eu assim. Ela cresceu e se tornou mulher, que nem eu! E somos primas por imposição e irmãs por escolha. E minha vida fica tão mais vazia sem ela. E se enche de alegria em ver a pessoa surreal de incrível que ela se tornou.
Mas às vezes, só às vezes, eu sinto saudades de escalar o berço e ver a minha pequena dormindo com aqueles sapatinhos vermelhos.