Sunday, January 28, 2007

você e eu

Sobre você e eu
Nada a declarar
Agora não adianta mais
Nada.
Nos tornamos
Distantes
Tão perto
Tão longe
Parados no mesmo lugar
Passado e futuro
O presente ainda não se sabe
Continua se dissolvendo no ar

Você
Eu
Sobre nós
Não adianta mais
Nada.
Estamos nós sempre
Tão presentes
Tão ausentes
Aqui

Somos nada.
Somos juntos
Um tanto separados
Somos sempre
Nunca
Somos
Tudo
Somos
Nada.






e eu amei
e eu amo
como nunca amei ninguém

Wednesday, January 24, 2007

Nina

Nina olha para sua barriga que cresce a cada dia. Sem lembrar quando aquilo aconteceu, ela passa a mão pela sua barriga com carinho. Um sorriso tímido surgindo nos lábios mostra o quanto Nina está feliz. Nua ela fica se olhando no espelho por horas. Imagina que aquilo é eterno, ou que pelo menos dure nove meses. Sua mãe bate na porta com uma determinação maternal. Nina se espanta e prende o choro. Sua mãe fala coisas para ela que toda mãe fala para uma menina com a barriga crescendo. Nina não ouve. Está muito triste para ouvir e quer continuar imaginando que aquilo é eterno. Sua mãe a pega pela mão e Nina finge não lembrar para onde está indo. Ela tenta esquecer a todo custo. Não tira a mão da barriga por nem um instante. De repente ela fecha os olhos com medo da dor e uma lágrima escorre. Nina se perde por alguns instantes dentro de sua barriga crescente. Abre os olhos e vê o rosto de sua mãe. Esta segura a mão da filha com força, séria, mas sem sinal de preocupação. Nina nua volta para frente do espelho e sua barriga não cresce mais. Ela sente saudades daquela barriga bonita. Sente saudades de fingir que aquilo era eterno. Nina faz de conta com uma almofada e sua mãe entra no quarto fingindo que não viu e que não sabe. Nina sofre. Pega uma boneca colocando-a no colo, dando de mamar. Ela quer a barriga de volta e o que nela estava crescendo. Nina não lembra quando aquilo aconteceu porque ela não sabe como essas coisas acontecem. Achou que fosse coisa de Deus porque foi assim que ensinaram para ela. Aquilo que aconteceu ela não sabia o que era. Ficou feliz quando soube que sua barriga ia crescer pois foi assim que aconteceu com Maria. Mas Nina não é mãe de Jesus e também não era virgem como Maria. Alguém disse para ela que aquela coisa era pecado, mas ela não sabia que coisa era aquela. Sua mãe fingiu que não sabia. Nina sofria, mas ela sim não sabia o que acontecia. Nina era menina, muito menina, gostava de brincar de boneca. Achou que fosse ter uma boneca só dela que estava crescendo em sua barriga. Sua mãe não gostou de ser mãe de mãe. Sua mãe fingia que nada acontecia. Sua mãe fingia muito. Fingia tanto que tampava o ouvido a noite, prendia o choro. Mas aquela barriga crescendo não dava pra fingir, e muito menos o que sairia daquela barriga. Nina chorava sozinha às vezes. Outras vezes brincava de boneca e de fugir de casa. Nina sabia que aquilo doía e Nina a noite sofria. Mas de manhã acordava e sorria, porque ainda brincava de boneca e gostava de fadas e sonhava em ser princesa. Depois daquele dia em que Nina perdeu a barriga crescente nunca mais foi a mesma. Não tinha mais graça a brincadeira com boneca de plástico, ela queria a boneca crescendo dentro dela. Mas Nina ainda acreditava em fadas e quis voar como uma. Então um dia Nina saiu voando pela janela de seu quarto. Voou tão alto que nunca mais voltou. Sua mãe fingiu que ela ainda ia voltar. E agora à noite ela não consegue mais prender o choro.

Saturday, January 20, 2007

me perdi

E eu me perdi. Assim como se perdem os guarda-chuvas. Mas não, não há um mundo paralelo pra eu ir. E lá não há você. Sem conseguir me lembrar de como era a vida antes, eu vou tateando no escuro a procura de algo para me segurar. E lá não há você. Não há você mais em lugar nenhum. E talvez eu nem me lembre mais. O esforço que faço pra me achar é o mesmo que faço para esquecer. Fecho os olhos e abro os olhos. Pisco rapidamente ou demoradamente. Nada muda. E como já senti outras vezes: a cama ficou vazia e grande. Então eu rolo para tentar esquecer o agora ou para tentar lembrar de como era antes. E me perco cada vez mais. E me esqueço. E me envolvo com um mundo que não via há mais de um ano. E seguro meu guarda-chuva, pois chove sem parar lá fora. Aqui só chove dentro de meus olhos, mas sem derramar as lágrimas. Lágrimas só fora da janela. Hoje abriu o sol. Assim como naquele verão. Sim, houve uma vez um verão. E nele havia você. Mas esse verão acabou do lado de fora. E lá não há você. Nem aqui. E eu me perdi. Sem saber, eu me perdi. Me perdi porque não lembro mais de como era a vida antes. De como era vida sem você.

Friday, January 05, 2007

A rosa

Houve uma vez um verão
Que começou com um fim
O fim da flor
Da rosa
Esta foi perdendo as pétalas
Pouco a pouco
Até ficar só o botão

Durante o ano
Ela tinha se fortalecido
Crescia a cada dia
Vermelha
Linda

Mas ela foi murchando
Talvez porque esqueceram de regá-la
Talvez porque regaram demais
Ou talvez porque esqueceram de cuidá-la
Talvez porque cuidaram demais

E naquele verão
Sobrou só o botão

No verão anterior
A rosa havia sido entregue
Única e singela
Para a menina de cabelos grisalhos

Guardou a rosa por um ano inteirinho
Até que ela murchou
Se despetalou
Sobrou só o botão

Houve uma vez um verão
Que começou com um fim
O fim da flor
Que flor?
Da rosa.
Que rosa?
Que a menina grisalha ganhou
Mas ela nunca ganhou uma rosa.